O baile de rock que virou... - Uma crônica sobre momentos engraçados na vida
O
BAILE DE ROCK QUE VIROU... (1977)
Quem disse que baratas não frequentam os bailes?
Parte 1 – Entendendo o cenário
Aos 17 anos de idade eu já trabalhava em uma empresa importadora de
produtos químicos para alimentos, a qual permaneci por nove anos. Comecei como
datilógrafo aos 14 anos e agora, havia me tornado assistente da diretoria. Como
trabalhava com o diretor e dono da empresa, ele flexibilizava meus horários
para que eu pudesse estudar. Durante este período todo cursei o final do
colégio, o técnico em contabilidade e a faculdade de economia. Foram nove anos
de trabalho que contribuíram para eu me desenvolver bastante profissionalmente.
Não pense você que eu só trabalhava. Estava no auge da minha vida
juvenil. Também tinha minha vida de curtição, promovendo noitadas e saídas com
minha turma. Estudávamos na mesma escola e do mesmo modo, éramos escoteiros nos domingos pela manhã. Foram
anos incríveis, onde cada um tinha a sua bicicleta de marcha, chamada de Caloi
10, na época. Aos finais de semana, organizávamos bailinhos, os quais eu fazia
a sonoplastia, escolhendo as músicas (não existia ainda o DJ – disc jockey).
Sim, eu tinha junto com os meus amigos uma equipe de
som e luzes, e nós nos orgulhávamos muito dela: chamava-se CUCA FRESCA SOM
& LUZ (durou de 1975 à 1981). Éramos cinco rapazes, todos da mesma idade,
17 anos, cheios de sonhos e ideais. Todos com os mesmos valores e vontade de
conseguir ter uma projeção no bairro. Fizemos história na segunda metade dos
anos 1970.
Nas minhas horas vagas, eu gravava fitas cassetes com músicas românticas
e o melhor do rock heavy metal para tocar nos bailes. Minha maior diversão era essa. Ver todo mundo dançando e pulando de
alegria. Eu sabia exatamente que músicas colocar para deixar a turma em êxtase
total. Apurei na adolescência a minha sensibilidade e com isso podia perceber a
temperatura dos humores dentro do salão (geralmente uma garagem grande ou um
cômodo amplo da casa). A turma que frequentava dançava muito, realmente pegava
fogo, bastando saber colocar as músicas certas em determinados momentos.
Não existiam prédios no bairro da Chácara Santo Antônio (SP); apenas
casas residenciais e um pequeno comércio local. Organizávamos bailinhos em
casas de família. Cada final de semana tinha uma festa na residência de algum
aniversariante do colégio. Contratavam-nos para levar o equipamento completo de
som e luz. Também colocávamos lonas nos quintais ou nas garagens para criar o
clima mais aconchegante com luz negra e “estroboscópica” em noites
inesquecíveis. Esta epopeia durou uns cinco anos, totalizando 161 bailes.
Ainda era uma época em que as drogas não reinavam, nem passavam pelas
cabeças da rapaziada. Existia algo de muito saudável nisso tudo. Para os jovens
daquele período, o importante era ir para o baile, tirar as garotas para
dançar, conversando de rostos colados, sentindo o cheiro deixado pelo shampoo
no cabelo lavado das meninas após um banho caprichado; sentindo também o odor
de perfume “Musk” que impregnava o rosto. Quem sabe, ter alguns momentos de
carinho com beijinhos até o final do baile. Os pais costumavam buscar suas
filhas por volta da 23h30m, e isso era comum para 90% das garotas presentes
nas festas. A verdade é que os jovens daquela época saiam mesmo era para se
divertir; suar a camisa dançando, a ponto de pingar. Nossos bailes não tinham bebidas
alcoólicas; era tudo sensação pura e genuína mesmo.
E que diversão! A rapaziada do bairro inteiro se conhecia, pois os
bailes aconteciam todos os sábados, a partir das 19h em ponto, quando começavam uma sessão de músicas lentas para os meninos tirarem as meninas para dançar (uma hora depois, começava o agito com músicas "pauleiras"). Considerando o
bairro todo, eram uns 400 a 500 jovens; se você morasse naquelas imediações era
comum muitos se cruzarem e se cumprimentarem durante a semana pelas ruas; tanto
nas andanças pelo bairro e nas escolas, como nessas festas. E claro, a pergunta chave era: Onde
será o baile no sábado? Se você convidasse 50 pessoas, vinham seguramente 100 a 150, a
maioria tudo penetra. No final, ninguém representava perigo ou riscos. O lance
mesmo era a sensação de pertencimento à turma toda que se encontrava naquelas
noites.
Perceba que não havia nada de aditivos químicos para fazer esses jovens
felizes.
Na verdade, já achávamos que tinha que ser muito louco para dançar em
uma garagem ou sala de 30 ou 40 m2. Todos espremidos e pulando ao som de Nazareth,
Led Zeppelin, Bachmann-Turner, entre tantos conjuntos mais, que se tornaram
verdadeiras lendas.
Essa multidão de descabeçados se aglomerava em um ambiente entupido de gente, todo mundo suando aos cântaros, para dançar loucamente e sacudir geral. Quando todos
estavam cansados de tanto agito, lá pelas 22h, recomeçava outra sessão de músicas românticas
para se formarem os casais. Depois das 23h, os que restavam na festa ficavam
por mais uma ou duas horas. E era só isso. Não passava disso, mesmo! Eram todos
jovens, entre 16 e 20 anos. Aqueles que tinham acima de 21, já eram
considerados velhos pelos demais. Bastava espalhar a notícia nas duas escolas durante
a semana, onde haveria o baile e todos falavam uns para os outros. Resultado:
sempre estavam lotados a ponto de ter que proibir a entrada de mais gente. Uma
festa dessa tinha em média 30% de convidados. Os demais eram “bicões” mesmo.
Mas no final das contas, equilibrava a quantidade de meninas e meninos.
Parte 2 - Uma noite muito louca
Uma passagem das mais engraçadas de apenas um destes bailinhos foi em
uma noite intitulada “Noite do Rock Pesado”. Um amigo resolveu ceder sua
casa para o evento. Utilizaríamos uma sala apenas e os dois banheiros que
ficavam no quintal. Seria cobrada uma entrada e parte da bilheteria ficaria
para ele. Era um corredor em que entravamos por uns 10 metros e dava para este
quintal de terra batida. Se chovesse naquela noite viraria um lamaçal. Este
quintal era enorme, um espaço de 10 por 15 metros aproximadamente. Cabia muita
gente. Patos e galinhas eram criados
soltos neste quintal. Tinha mais ou menos uns 50 animais, e nesta noite em
especial, todos eles ficaram confinados no galinheiro. Quem mandava mesmo ali
naquele terreiro, era um peru que tinha problemas de amnésia. Dependendo do
dia, ele pulava e corria atrás dos homens, tentando morder o órgão genital. Em
outros dias, ele corria atrás das mulheres, fazendo a mesma coisa. Dizíamos que
ele era um peru tarado. Existia também, uma tartaruga grande com uns 40
centímetros, que ficava andando para lá e para cá, quase parando, totalmente
lenta em seus passos. As pessoas é que
conversavam com ela.
A casa era antiga, chão de tablados de madeira e paredes de alvenaria. Do
quintal extenso, tínhamos a visão de seus demais cômodos, pois era tudo
visível. Em uma sala de aproximadamente seis metros por quatro, se amontoavam
umas 70 pessoas, todos pulando amalucados ao som de Deep Purple, Slade,
Kiss, Status Quo, e o que tivesse de mais barulhento. Quem cansava de
dançar, ia para o quintal e ficava entre os grupos conversando. Havia uns 180 jovens
ou mais presentes nesse evento. Muita cuba
libre (Coca-Cola com rum e gelo), que só era vendida num balcão, também
montado no quintal para quem fosse maior de 18 anos. Nunca gostei de bebida
alcoólica em festas, pois alguns não sabiam seus limites. Preferia sentir o
sabor de verdade das sensações. Nessa noite em especial, um dos integrantes do
grupo resolveu colocar. Eu geralmente ficava em um cômodo ao lado, com um
pratinho de salgados e um refrigerante, controlando o som e escolhendo as
músicas. Trabalhava sozinho. Os demais ficavam no baile dançando e se
divertindo, afinal já haviam montado tudo durante a tarde de sábado.
Naquela noite eu encontrei com uma namorada que ficou comigo no som. Nesta
sala eu não tinha visibilidade do salão. E então ficamos fechados sozinhos na
sala de som, entre um beijinho e outro, ouvíamos o pessoal gritando e pulando,
batendo palmas e os pés compassadamente ao som da cadência, no chão de madeira:
bam-bam-bam-bam... O som estava
altíssimo. Batiam à porta por repetidas vezes a qual deixávamos trancada e
gritavam “aumenta mais esse som”. Eu
arregalava os olhos e perguntava para a garota: “Mais?”. Na verdade, quanto
mais eu aumentava o volume, mais eles batiam os pés com força no chão, todos
juntos.
Fiquei curioso e abri a porta para ver como estava lá fora. Vi aquele
“mar de cabeças” pulando enlouquecidos com a luz estroboscópica piscando em seus
flashes, numa ira sem fim. Que imagem era aquela! Tocava um rock do Slade de um show ao vivo,
naquele momento (a música era Keep on Rocking, do álbum Slade Alive!),
onde o vocalista se esgoelava esganiçando a voz. A música era ritmada, a ponto
de todos baterem os pés no chão para acompanhar. Na verdade, parecia que
estavam todos possuídos naquele salão. Fechei a porta e falei para minha garota:
“Tá pegando fogo lá fora... essa gente
vai endoidar”. Nisso bateram na porta novamente: “Aumenta mais esse som, pelo amor de Deus. Isso é rock pesadooo!”.
Eu não tive dúvidas: fechei a porta e aumentei o som para valer.
As batidas no chão com os pés aumentaram e o piso agora tremia: bam-bam-bam-bam... De repente, um barulho estrondoso e uma
gritaria alucinada lá fora. BRRRRUUUM!!!... Gritos e mais gritos
ensandecidos em meio aquele rock and roll
alucinante... pensei comigo: “Estão
delirando, agora... êxtase total”. E fui para mais uns beijinhos. A
gritaria geral foi cedendo durante uns dois minutos. O barulho começou a
diminuir em meio à gritaria, mas o som continuava muito alto. Então, silêncio
total! Estranhei e abri a porta para ver o que acontecia. A luz negra deixava
todo o ambiente parecendo neon azul, enquanto que a estroboscópica continuava
piscando, mas não havia ninguém no salão. O chão todo havia cedido 70
centímetros e a sala estava vazia. Ruiu tudo. Imagine você o chão todo afundar
com aquele monte de gente se espremendo um no outro. Imediatamente pedi para
minha companheira: “Abaixe o som,
rápido!”. De tanto pularem juntos, caíram todos de uma vez com o piso que
cedeu. A sorte foi tanta que ninguém se feriu. Liguei então a luz normal e
desliguei a estrobo.
O chão e as paredes estavam infestados de centenas de baratas que
viveram embaixo daquele tablado de madeira antigo, cheio de papeizinhos brancos
picados, para parecer um chão de estrelas. Essas danadas baratas andavam pelas
paredes, voavam e faziam a festa delas. Agora elas causaram pânico geral
naquela multidão que pulava junto, extravasando emoções. Também pudera! Imagine
o barulho que estava embaixo daquele tablado com todo mundo pulando e batendo
os pés, acordando e excitando todas elas. Isso sem contar o rock. As baratas ficaram todas
alucinadas; queriam fazer o show de rock
delas também. Dava para ver o contorno dos tijolos dos alicerces daquele
cômodo, sem nenhum acabamento, e o piso de madeira todo em um bloco só, agora
arriado.
Desci com cuidado e fui até a porta da saída para o quintal daquele
salão, agora totalmente vazio. Pulei para fora. Estavam todos no quintal, uns
rindo, outros comentando, outros horrorizados. O bom humor imperava naquele
grupo. A imensa maioria encarou como pura diversão. Quase 200 pessoas. O
burburinho era geral. Alguém, não satisfeito com tanta desgraça, para ajudar,
soltou as galinhas e os patos que corriam e defecavam assustados pelo quintal de terra,
em meio às rodinhas de toda aquela gente que ainda falava alto. E lembram do peru demente? Este
começou a passear em meio à multidão, gorgolejando enlouquecido, correndo atrás
das meninas que estavam vestidas com mini saia. Estava um caos. A
tartaruga? Roubaram, levaram embora a bichinha e essa parte só conseguimos
descobrir no dia seguinte.
O povo ria com vontade e como todos eram jovens, aquilo foi considerado
o máximo. Uma aventura e tanto! Convenhamos, foi uma apoteose magnânima para um
baile de rock e certamente se tornou inesquecível para sempre na memória de
todos que estavam presentes naquela noite. Até hoje, fico imaginando tanta
gente tentando pular o degrau de uns 70 centímetros da porta para sair correndo
daquele recinto abarrotado de baratas; enquanto elas expulsavam todos em meio
aquele rock demoníaco. Um som altíssimo, se destacando com as luzes coloridas (spots) que ainda piscavam junto com a
estrobo. Uma verdadeira escuridão azul proporcionada também pela uma luz negra.
Deve ter parecido a saída do inferno.
Hoje mais de 50 anos se passaram. E a turma? Nos mantemos em
contato através do grupo CUCA FRESCA no WhatsApp e eventualmente em encontros
presenciais. Sim, a amizade se manteve e resistiu ao tempo. O episódio citado
ficou conhecido por nós como: o baile de rock
que virou “ o baile das baratas”.
E este foi apenas um dos 161 bailes
que realizamos. Imagine você, quanta história!
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